Navegar é preciso?

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Quem navega um pouco por aí, nesse mar de zeros e uns, certamente cruzou com alguma discussão sobre a forma colaborativa de criação do conhecimento viabilizada pela Internet. O entusiasmo que desperta é grande, muitos estão deslumbrados com esse maravilhoso mundo novo: uma geração de gênios está sendo gestada! As relações humanas mudarão drasticamente graças às redes sociais! A informática será responsável por alguma espécie de salto evolutivo! Mas a realidade anda jogando água na fervura...
A geração de gênios prefere consumir a criar. As relações humanas estão evoluindo para a forma narcisista 'eu comigo mesmo'. E o salto evolutivo... bem... como disse Darwin, evoluir não significa melhorar, e sim adaptar-se.

Como dinossauro tecnológico que sou, acompanhei parte desse avanço da informática. Nos longínquos anos 90 (1990, não 1890!), na era pré-www (não, não havia pterossauros voando por aí!), fui estudante da área de computação da PUC Campinas e frequentadora da mesma área na Unicamp. Lá, aliás, ficava o backbone da Rede Nacional de Pesquisa (RNP) com seus impressionantes 2 MB (é mega mesmo) de velocidade, suportando todo o tráfego nacional de dados em redes não privativas. A conexão reserva ficava no campus vizinho da PUC, com 1 MB. Para se ter uma idéia, uma conexão doméstica hoje chega a 10 MB.

Estamos a 20 anos disso, 15 anos do nascimento da internet gráfica (www) e as coisas... bem... as coisas não mudaram tanto quanto parece à primeira vista. Pelo menos, não no aspecto tecnológico. Algumas mudanças estão ocorrendo no uso que se faz dessa tecnologia e seus reflexos, especialmente na área de comunicação. Mas os princípios técnicos da internet atual são os mesmos das primeiras redes de troca de dados e informações. E o grande legado de todas elas foi a multiplicação exponencial do conhecimento, pela colaboração e compartilhamento que propiciaram. A novidade é que a internet leva essa possibilidade ao extremo: todos potencialmente conectados, criando e interagindo instantaneamente.

O entusiasmo que isso nos provoca deve ser quase o mesmo despertado pela criação da imprensa, do telefone, da navegação ou do avião. Todos, cada um à sua maneira, meios de comunicação entre os homens, formas de nos aproximar e compartilhar.

Mas esse nosso mar de zeros e uns tem suas turbulências, seus bugs. No caso da internet, alguns começam a ser percebidos: a superficialidade dos temas; a dispersão que o próprio meio (a web) causa, dificultado a concentração e o entendimento; a qualidade e confiabilidade dos conteúdos. Essa confusão recente com a WikiLeaks traz a questão da vulnerabilidade da informação digitalizada.

Para onde nos levarão essas novas tecnologias, só podemos, por hora, especular. Umberto Eco sugere que voltaremos ao tempo das cavernas. David Nicholas, Frank Schirrmacher e Nicholas Carr dizem que a internet pode idiotizar. Pensadores, como Newton Bignotto, dedicam-se a estudar os impacatos das novas tecnologias sobre o humano, através da filosofia.

Nada ainda é conclusivo, muito há para ser pensado, discutido e resolvido. A ferramenta, a web, que nos foi legada pela computação, é poderosa. Com espírito aberto e colaborativo poderemos usá-la para revolucionar muitas áreas. Mas não se pode esquecer que ela é apenas isso, uma ferramenta. E será o reflexo passivo de seus usuários.

Tomando a imprensa como exemplo: ela já foi libertária, arena sagrada de muitos que lutaram pela liberdade. De um mimeógrafo escondido num porão, escreveram-se páginas fundamentais da história humana. E hoje? No que se transformou boa parte da imprensa? No reflexo medíocre de uma geração de yuppies medíocres? Ou serão os donos dos grandes jornais os únicos responsáveis pelo que aí está? Bernardo Kucinski, no livro "A Síndrome da Antena Parabólica", responde que não, que somos coresponsáveis: a imprensa é reflexo do que somos.

Se podemos nos considerar solidariamente responsáveis pela imprensa que temos - levando-se em conta as dificuldades de se produzir um jornal, o custo de um canal de TV - o que dizer de nossa responsabilidade sobre o conteúdo da Internet, onde a dificuldade é mínima?

Talvez, mais importante do que se discutir as possibilidades, indiscutíveis, dessa nova ferramenta de construção do conhecimento, seja discutir os valores e princípios dos seus construtores.

"Navegar é preciso". Mas no caso da internet, o marinheiro é o próprio Deus dos mares, que além de traçar sua rota, cria o mar por onde navega.

Artigos de referência:

Umberto Eco - Piratas vingadores e espiões em diligência (Obrigada a J.A.de Souza pela indicação do artigo)
Thomaz Wood Jr - No fundo é raso

O Globo, sobre estudo de David Nicholas
http://tiny.cc/72fjb

Caros Amigos - Especial Pós Humano - Ed. 12/2007 - artigos de Newton Bignotto e outros (disponível apenas na loja virtual)
http://tiny.cc/5ycg0


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