A cor da ira

Raja Gabaglia - BH vista à noite
Ela trabalhava como assistente do diretor de uma grande empresa. Competentes e determinados os dois. Ele, uma fera destemida. Ela, sempre se descobrindo outra.
Uma tarde de junho, ela precisou sair mais cedo. Esqueceu de providenciar algo que ele precisaria na manhã seguinte. À distância, resolveu o problema. Pela manhã ele encontraria o trabalho pronto.
Em casa, ela fazia o jantar quando o telefone chamou. Era ele. Não perdeu tempo com protocolos, desancou-a. Desligou antes de ouvir que o trabalho estaria em sua mesa. Sem o número do telefone registrado e sem o endereço da fera, ela nada pode fazer. Não jantou e não dormiu, enjaulada em sua casa.
Antes que amanhecesse, levantou, vestiu uma jaqueta preta, montou em sua moto também preta e saiu na madrugada gelada para a empresa. As unhas pintadas de azul. Lá, pegou o trabalho, as chaves do carro que ele usaria, sentou-se sobre o capô, e esperou. Na neblina da garagem, flutuavam seus olhos azuis arregalados pela ira e pelo sono e suas unhas azuis. Ele despertou naquela cena, quando as unhas azuis arremessaram um calhamaço de papéis em sua cara e as chaves contra o carro. Também ouviu de uma boca gelada o quanto ela o considerava infame. E o aviso: não se atreva, jamais!
Ela voltou para casa enquanto amanhecia. Beijou o marido, dormiu, brincou com o filho e pintou as unhas de lilás. Não trabalhou nesse dia.
Na manhã seguinte foi à empresa, esperar a demissão com dignidade. Sentou em sua mesa e esperou muito tempo. Ele demorou. Veio com um feixe de rosas vermelhas. Entregou a ela e foi trabalhar...

"as belas não abrandam as feras, mas aprendem a lição da ferocidade".


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