Quero ver ele te dar o mesmo conforto que eu...

Ipê
Av. Silviano Brandão, Floresta, Belo Horizonte
Essa história, emprestei de um amigo.

Contou que trabalhava próximo a Praça Hugo Werneck, Santa Efigênia, em Belo Horizonte. Nela ficavam alguns moradores de rua. Todo dia quando ele chegava ao trabalho, assistia à mesma cena: o homem, depois de buscar um balde de água e entregar à mulher, segurava o cobertor, formando um biombo, para que ela pudesse fazer sua higiene matinal sem bisbilhotices.

Algum tempo depois, ao andar pela praça em horário de almoço, observou outra cena: a mulher aquecia ao fogo o almoço - uma matulinha - com o homem ao seu lado. Discutiam. Logo adiante, sentado na calçada, outro homem. Então, ele ouviu a frase definitiva: “se você quer ir embora com ele, vai! Mas quero ver ele te dar todo o conforto que eu te dou!”

O machismo é democrático, concordemos. E também é dinâmico, ajusta-se às circunstâncias.

Tive a oportunidade de conviver com pelo menos tres de suas variações nacionais. O machismo do sul do país, o de São Paulo e o de Minas.

O sulista é o tradicional. Machismo olho roxo, agride com facilidade. Apesar de terrível, tem contra si a própria violência que comete. É mais fácil se rebelar e encontrar apoio contra esse machismo explicito.

Em São Paulo, convivi com o machismo capitalista. Funciona assim: ele é inversamente proporcional ao valor do contra cheque da mulher. Quanto maior o valor, menor o preconceito machista. Mas mulheres em postos de comando ainda tem problemas. Até chegam a eles, mas ao custo de provar irrefutavelmente sua capacidade, o tempo todo. Sem contar os "... é, mas ela é masculinizada", dito muitas vezes por outras mulheres. Acompanhemos para ver onde chegará...

O machismo mineiro tem uma forma também peculiar. Demorei mais a perceber onde se escondia. Traveste-se de proteção. A esse pretexto - de cuidar - pais, maridos e amigos bem intencionados, tolhem a autonomia das mineiras. Apesar de confortável, esse tipo de machismo é difícil de ser combatido. E o conforto que proporciona é justamente seu grande aliado. Como conseguir apoio contra o machismo praticado por “um homem tão bom, minha filha!”?

Michelle Perrot, no seu interessante livro “Minha História das Mulheres”, descreve as sutilezas com as quais o machismo moderno se armou.
Uma delas é justamente os benefícios que traz para suas vítimas. Tornar-se autônoma, especialmente nas classes médias e altas, inclui assumir a responsabilidade pela própria vida, o sustento dos filhos, da casa. Significa não ter a quem responsabilizar pelos fracassos pessoais.
A liberdade, portanto, também cobra seu preço. E caro. Muitas podem preferir não pagar.

O interessante, ela também diz, é que o machismo está vitimando os homens. A responsabilidade pelo provimento da família, por exemplo, numa sociedade onde os salários já não são pensados em termos familiares, torna-se um peso para eles.
Sem falar que - numa sociedade onde consumo e felicidade andam juntos - também serão responsabilizados pela infelicidade da esposa e filhas, caso fracassem em lhes dar o que desejam.
Talvez estejamos chegando à boa hora em que o machismo desaparecerá por não ser conveniente a ninguém. Até lá, ainda há muito a ser feito, por homens e mulheres.

Que as divindades orientais e ocidentais assim o queiram! Será uma forma de opressão a menos na gigantesca lista humana de opressões que ainda temos a vencer.

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