"Precária síntese"

Rio Tocantins - Palmas

"Visito os fatos, não te encontro.
Onde te ocultas, precária síntese, [...]
[...]nenhum beijo
sobe ao ombro para contar-me
a cidade dos homens completos."



São versos do poema "Nosso Tempo", do livro "A Rosa do Povo", a grande obra política de Drummond. Apesar do contexto, sempre que os leio, desconfio que o poeta mineiro se escondeu neles ao escrevê-los, que não falam dos "homens partidos" como os outros versos do poema.
E por que se esconder? Talvez porque é da natureza do mineiro o esconder-se. Talvez seja de sua geografia. As montanhas os obrigam a não se revelar, olhar de banda, meio desconfiado, meio dissimulado. Nunca se sabe ao certo...

Foi das montanhas, aliás, que me veio o primeiro chamado para as gerais.

Mas... os versos. Voltemos. Lembrei deles ao receber, quase ao mesmo tempo, notícias muito parecidas de dois amigos que não se conhecem. Ambos falavam de suas buscas. Um, de sua jornada para descobrir quem realmente é. Outro, o que realmente quer.

Será mesmo possível saber quem realmente somos? E se possível, será desejável? Saberemos um dia se somos criaturas de Deus ou seu criador? E se encontrarmos todas as respostas, valerá a pena continuar, já que a vida é busca?
Contento-me em quase saber quem sou, a síntese precária das descobertas acumuladas. Assim, sempre posso me surpreender, começar de novo.

E sobre o possível? Como saber quem realmente somos, se nos descobrimos constantemente no outro e o outro é mutante?
"O inferno é o outro", constatou Sartre, e Platão achou que o amante - aquele que ama - contempla o mundo e a si mesmo através do amado, como se olhasse no espelho, transformando assim, o amado em amante. Eros contemplando Anteros.

O que chamamos no outro de 'meu' - meu inferno, meu amado, meu amante - é a parte dele que incorporamos e que nos transforma.
E não se tem notícia de humano algum que tenha vivido isolado tempo suficiente para se tornar imune ao outro.

Rubem Alves diz que "o corpo é um albergue" e "nele moram muitas versões de mim mesmo." Prefiro assim...

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